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Em um piscar de olhos

"Se eu soubesse que ela chegaria da maneira extrema que foi, não teria ficado, de jeito nenhum”

Por Yago Gouveia

Catástrofe, tragédia, acidente, desastre... os adjetivos para identificar o ocorrido são muitos, mas as perdas e as lembranças do mês de junho de 2010 são únicas e ficarão marcadas para sempre nas mentes dos habitantes do município de Palmares, na Mata Sul de Pernambuco. Cinco anos atrás, uma enchente de proporções gigantescas atingiu a cidade, destruiu ruas, casas, e mostrou que a natureza, tão bela e exuberante na cidade e arredores, também pode causar sérios transtornos a quem possa duvidar de sua força.

 

Ao detectarem os primeiros sinais de que a chuva viria com mais força, fazendo o nível do Rio Una subir, muitos moradores da cidade preferiram abandonar suas casas, mesmo com todas as lembranças ali presentes. Poucos se arriscaram a continuar lutando contra a força da natureza, mesmo em condições completamente desfavoráveis a sobrevivência de um ser humano “normal”. Ivanildo Eugênio da Silva, ou simplesmente Seu Ivanildo, de 54 anos, desafiou o impossível, venceu e hoje faz parte de uma história que será lembrada por muito tempo pelos conterrâneos. “A chuva de 2010 enganou todo mundo. Se eu soubesse que ela chegaria da maneira extrema que foi, não teria ficado, de jeito nenhum”, disse.

 

A única praça da cidade, hoje restaurada, foi completamente destruída por conta da água. Um caminhão tentou atravessar a rua próxima ao local, mas acabou dentro de uma enorme cratera. “O que aconteceu na praça foi uma coisa inusitada. A carreta sentiu-se como uma coisa bem pequena dentro do buraco que foi feito. A igreja que fica próximo à praça também sofreu muito, chegamos a pensar que ela poderia cair. A praça desapareceu!”, relembra.

 

Por ser uma cidade rural, é completamente natural a criação de animais para fins alimentícios. Contudo, a enchente, além de deixar marcas na cidade, tirou a alimentação de muitas famílias. “O povo ainda pensou que o nível (da água) iria permanecer. Então, eu vi boi, vários bichos passando em frente da minha casa. Eu mesmo criava galinha, pato, essas coisas... desapareceram todos. Não ficou um nem de lembrança”, afirmou. Apesar das 20 mortes confirmadas pela Defesa Civil do Estado, Seu Ivanildo conta que não perdeu nenhum parente ou amigo na enchente. Para ele, a salvação dos entes foi um acontecimento divino. “Graças a Deus. Isso foi um milagre. Uma quantidade de água daquela, mas não morreu ninguém”, completou.

 

O comerciante foi um dos que precisaram ser resgatados pelo helicóptero da Defesa Civil. Ele passou cerca de oito horas na parte superior de sua casa, sem comida e sem água, utilizando apenas a lanterna de um celular para passar instruções aos outros moradores que também se ariscaram e permaneceram dentro de suas casas. “Quando chegou uma certa hora da tarde já tinha mais como sair de casa por conta da correnteza. Um casal também estava aqui e tive que segurá-los para tentar conter o medo. Disse para eles que em um momento como aquele temos de ser mais fortes que o medo”, disse. “A gente via as casas caindo ao nosso lado, só víamos água e apenas um vagão à nossa frente”, continuou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Destruição em questão de segundos

 

A agente de saúde Jaqueline Borges foi mais uma vítima da tragédia que atingiu a cidade de Palmares. Residente no Quilombo II, local construído para abrigar os moradores, ela lembra com lágrimas nos olhos das fatídicas horas que a fizeram perder tudo conquistado pela família anos antes. A ferida, sem nenhuma dúvida, ainda dói na atual líder comunitária da área levantada aos desabrigados. “Traumático”, resume.

 

“Foi complicado demais, além de ter sido tudo muito rápido. Em questão de segundos a água foi subindo, subindo, subindo...”, lembra. Dias depois da enchente, Jaqueline retornou ao local onde morava. A cena, diz ela, não lembrava em nada a pacata cidade em que vivera toda sua vida. “Voltei (para a cidade) no outro dia que secou. Eu chorei bastante porque vi tudo meu ali acabado, mas o desespero foi geral. Eu estava chorando não só por mim, mas por todo mundo. Porque, todas as pessoas não tinham nada”, lembra. 

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