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A mãe da comunidade

"Você trabalha mais de vinte anos para ter suas coisas e tudo do nada está destruído. Isso dói até hoje..."

Por Aline Cunha

Na pele, marcas que a enchente de 2010 deixou. Uma bactéria que Adeilda Teixeira, mais conhecida como Dona Del, carregou por meses em seu corpo. A moradora de 51 anos e líder comunitária do bairro das Pedreiras foi uma das responsáveis pela comunicação e cuidado dos desabrigados de seu bairro após o ocorrido. Uma senhora com um coração grande e que traz em seu peito a vontade de ajudar o próximo.

 

Moradora do bairro há mais de 25 anos, dona Del, presenciou as várias enchentes que aconteceram em sua cidade. Mas nunca pensou que a enchente de 2010 chegaria ao tamanho do estrago que causou. “Aqui na comunidade temos um bueiro que quando o nível do rio aumenta a água transborda dele, eles começam a rosnar. Aí todo mundo já recolhe suas coisas e procura um lugar mais seguro. Só que no dia da enchente esse bueiro não demonstrou nada, porque a água do rio estava vindo ao contrário. Quando a água chegou não deu tempo de se preparar e arrumar nossas coisas”, relata.

 

Como um vento manso que em instantes se revolta, as águas do Rio Una tomaram conta de Palmares e com elas se foram histórias e lembranças. Tudo, de uma noite para outra, desapareceu em meio as águas. O caos se alastrou junto a ele o desespero que aperta o peito e que dificilmente será esquecido por quem viu sua vida mudar em poucas horas.

 

Adeilda afirma que o processo de reestruturação da cidade foi bastante difícil. As ruas ficaram cobertas de lama, pedaços de madeira, carros e animais mortos.  “A gente não conseguia nem andar direito, a altura que a lama preta ficou era de um metro. Tudo ficou acabado, cada um decidiu limpar as suas casas e ver se conseguia salvar algo. Mas na medida que um limpava o outro sujava. Enquanto uma rua tirava seu lixo, a outra rua era a que tinha que recolher aquele lixo”, diz.

 

“Minha filha ficou apenas com a roupa do couro”, lembra com os olhos marejados e as mãos fechadas como se aquela lembrança ainda estivesse fresca em sua memória. Del fala que sua comunidade passou por maus bocados para conseguir se reestruturar novamente, “ a maioria da atenção das autoridades eram para o centro de Palmares. As regiões mais carentes ou de favela, demoraram para serem lembradas. Nós ficamos no descaso, por isso tomei a frente e junto com alguns moradores nós começamos a organizar as ruas e ajudar o pessoal”. 

De Palmares para Brasília

 

Em 18 de novembro do mesmo ano, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, realizou o seminário "Emergências Socioambientais e Direitos Humanos: Novos Paradigmas da Prevenção de Desastres". Evento este que dona Del e mais duas senhoras de outras cidades atingidas pela enchente, foram convidadas para falar sobre a enchente e como estava o processo de recuperação de suas cidades.

 

Promovido pela Comissão de Direitos Humanos trouxe como foco a pergunta: O que a Câmara dos Deputados pode fazer nessas situações de risco? Ideias como a investigação das causas, políticas públicas de prevenção e socorro às vítimas, mapeamento das áreas e leis a favor do meio ambiente.

 

“Tive dez minutos para falar. Consegui fazer um resumo de tudo que aconteceu e atrás de mim passaram imagens para ilustrar o tamanho do estrago da enchente”, diz. A líder comunitária revela ter se impressionado quando percebeu que nenhum representante de Pernambuco estava no evento. “Não tinha um deputado do meu estado presente. Eu encontrei vários deputados no avião quando voltei, mas nenhum teve tempo para participar do seminário. Os outros estados atingidos tinham pelo menos um representante, mas Pernambuco nenhum”, revela Adeilda ainda indignada com o ocorrido.

Além do salvamento

 

Em meio a toda destruição, um desafio a mais surgia para aqueles que atuavam no suporte aos atingidos pela tragédia: mediar conflitos. Liderados pelo Tenente Coronel do Corpo de Bombeiros, Lucio Guimarães (na época, Major Lúcio Guimarães), os mais de 300 homens, divididos nas mais diversas funções, assumiram a tarefa de auxiliar em todos os apectos que a população necessitasse, principalmente em evitar que outro problema pudesse vir à tona naquela ocasião.

 

"Eu conheci dona Del, líder da comunidade das pedreiras, exatamente assim, na tentativa de evitar um conflito - uma espécie de protesto que eles iam fazer. Fui até lá e, realmente, percebi que eles necessitavam do que pediam", ressaltou o tenente coronel. O militar reforçou que a ajuda vinha de todo lugar, mas percebeu que, em muitos casos, a necessidade que aqueles cidadãos tinham era de atenção. "Um caso que me chamou muita atenção foi de uma menina chamada Bruna. Ela chegou com um dinheirinho daqueles de brinquedo e pediu um autógrafo ao meu superior. A gratidão que ela teve conosco ainda me emociona muito", disse.

 

Lúcio ainda disse que a ligação com a cidade se faz presente. "Ainda converso com os líderes, com a defesa civil da cidade, e eu percebo que plantamos uma semente lá na cidade. Eles eram carentes de ações de defesa civil e hoje têm um trabalho muito bom. Conseguimos, em meio a tudo, entrar com ações educadoras também", completou.

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